Conhecendo o tratamento
Em 2007, assistimos a um programa de TV sobre dislexia da leitura. A forma como o tema foi abordado nos deixou bastante impressionados, falaram que o tratamento seguia uma proposta interdisciplinar com pedagogos, psicólogos e médicos. Durante o programa, a única coisa que estranhamos foi a superexposição de um menino de 8 anos, ele estava lá junto com a mãe e com a especialista em dislexia da leitura para comprovar a eficácia do tratamento.
Imaginamos que maravilha seria resolver os problemas de leitura do nosso pequeno com uma lente colorida. No entanto, por se tratar de um tratamento pouco convencional guardamos esta informação como um trunfo para ser utilizado mais adiante.
Marcação dos exames
No início deste ano, desesperados por não obter resultados com o nosso pequeno guerreiro - nas sessões com psicólogos, pedagogos e psicopedagogos - procuramos a clínica especializada em dislexia da leitura. A marcação de exames para o diagnóstico foi a seguinte:
1º dia - 08:00h Entrevista c/ psicóloga - 10:00h Consulta oftalmologica. Levar questionário preenchido, 3 paginas do caderno de matemática e do caderno de português, laudos médicos,etc. Valor R$ 61,25
2º dia - 5 exames - Campo visual,FDC,ortoptico,aberrometria e visão funcional - 08:00h à 12:00h. Valor R$550,14
3º dia - Avaliação neurovisual com a especialista - 8:00h às 10:30h. Valor R$767,00
Colocamos o cronograma acima para mostrar que nosso pequeno passou por muitos profissionais e um grande desgaste, os valores são um detalhe.
Aparte – Baixa auto-estima de criança com problemas de aprendizagem
Antes do relato da nossa caminhada na clínica de dislexia da leitura, cabe uma observação sobre a auto-estima das crianças com problemas de aprendizagem. Sabemos que há inúmeros artigos científicos que apontam para o grande número de crianças com problemas de aprendizagem com baixa auto estima. Nosso pequeno guerreiro não é diferente, em março deste ano, quando procuramos a clínica de dislexia da leitura, ele estava há 6 meses fazendo um tratamento psicológico para tratar questões de baixa estima. A orientação era reforçar seus pontos positivos, dizer a todo momento que ele era capaz, etc.
Na clínica - Primeiro dia
No primeiro dia na clínica fomos recebidos por uma psicóloga. A entrevista inicial era com os pais e a criança. Não disseram que a presença dos dois era obrigatória, no nosso caso apenas um de nós acompanhou o pequeno. Assim que entramos na sala, a psicóloga disparou inúmeras perguntas na frente do nosso pequeno ”Porque vocês estão aqui? Ele tem problemas na escola? A gravidez foi desejada? Teve problemas no parto? Problemas neurológicos? Ele lê de forma lenta? Ele escreve devagar? Ele não da conta de acompanhar os colegas, etc...
Meu Deus! Quanto despreparo para lidar com crianças com problemas de leitura! Estamos falando de crianças, não de adolescentes, estamos falando de um garoto de 7 anos! Nunca vimos uma coisa daquelas! Entrevista inicial junto com a criança! Pensamos que uma pessoa conversaria com o pai, outra com a criança, ou que em algum momento haveria um local para a criança ficar fazendo outra atividade. De repente, nos deparamos com um lugar onde não havia opção, a não ser falar tudo na frente do pequeno. Ora, não que ele não soubesse das dificuldades que tem, mas qual é o objetivo de reforçar isto na frente dele! Uma criança que já tem problemas de auto estima! Nosso discurso de que estávamos ali para ele ficar ainda melhor foi por água abaixo, assim como o tratamento para auto estima...
Meu Deus! Realmente éramos pais desesperados e cegos em busca de uma solução milagrosa! Na entrevista devíamos ter percebido que havia algo muito errado naquele lugar!
Após a entrevista, aguardamos a consulta com o médico. Como a proposta era interdisciplinar acreditamos que antes da consulta a psicóloga teria uma conversa com ele. Mas não! Assim que entramos na sala o médico disparou “Porque vocês estão aqui? Ele tem problemas na escola? A leitura é lenta? Mais um turbilhão de perguntas na frente do pequeno! Inacreditável!!!
Meu Deus! Realmente éramos pais desesperados e cegos em busca de uma solução milagrosa! Psicóloga e médico, não é possível! Devíamos ter percebido que havia algo muito errado naquele lugar!
Segundo dia
Logicamente, nosso guerreiro não queria mais um dia naquele lugar onde o tempo todo suas dificuldades eram ressaltadas. Mas como pais desesperados insistimos com o pequeno, como pais cegos não queríamos perder a oportunidade de estar na única clínica do Brasil que faz o diagnóstico de dislexia da leitura.
Era outro dia, acreditamos que o trabalho interdisciplinar ia prevalecer, provavelmente, a equipe havia conversado sobre o caso do nosso pequeno e não seriam feitas as mesmas perguntas.
Por acaso, encontramos com a pedagoga na recepção enquanto esperávamos mais uma consulta, ela perguntou algo como “Vocês estão aqui para fazer os exames relacionados a dislexia da leitura?” Ingenuamente respondemos “Sim!”. Inacreditavelmente, ali mesmo na recepção, diante de várias pessoas, diante do nosso pequeno, ela disparou “Ele tem problemas na escola? Ele tem problemas com a leitura?, etc...” Respondemos educadamente que já havíamos passado pela entrevista e a psicóloga já tinha todas as informações - cortamos a conversa!
Meu Deus! Realmente éramos pais desesperados e cegos em busca de uma solução milagrosa! Psicóloga, médico e pedagoga, não é possível! Devíamos ter percebido que havia algo muito errado naquele lugar!
Entramos na sala para mais um exame e a médica perguntou “Vocês estão aqui porque ele tem problemas na escola? Sem acreditar, educadamente e tentando dar um toque na médica respondemos “Não! No ano anterior ele teve muitos problemas, mas este ano ele está muito bem! Está fazendo a 2ª série novamente e é um ótimo aluno! Inacreditavelmente ela respondeu “Ah, ele está repetindo, então é por isto que agora ele está indo bem, repetiu o ano!
Meu Deus! Realmente éramos pais desesperados e cegos em busca de uma solução milagrosa! Psicóloga, médico, pedagoga, médica, não é possível! Devíamos ter percebido que havia algo muito errado naquele lugar!
A cegueira começou a se desfazer, saímos daquela sala e fomos procurar a dona da clínica e especialista em dislexia da leitura. Logicamente, ninguém queria fornecer o email, nem telefone para falarmos diretamente com a tal mulher, mas coincidentemente ela passou na nossa frente. Sim, aquela era especialista que vimos no programa TV.
Pedimos uma conversa reservada, falamos da nossa insatisfação desde a entrevista aos exames, da falta de habilidade para lidar com crianças... ela pareceu receptiva, no entanto, o dono da clínica, pai da especialista entrou na sala, ela disse que estávamos dando sugestões interessantes, mas o homem arrogante disse que o indivíduo deveria saber o que tinha, etc. Contra-argumentamos dizendo que o indivíduo era uma criança de 7 anos, que deveria saber o que tinha a partir de um diagnóstico. Ele prepotente disse que aquela era uma questão acadêmica, que talvez este fosse um problema do nosso filho. Mantivemos nossa postura, a questão era acadêmica sim, comprovadamente crianças com problemas de aprendizagem tem problemas de auto estima e nosso filho era uma destas crianças. A especialista, filha do dono da clinica, tentou contornar a situação e disse que ia conversar com a equipe.
Meu Deus! Realmente éramos pais desesperados em busca de uma solução milagrosa! Psicóloga, médico, pedagoga, médica, o dono da clinica, não é possível! Agora sim, percebemos que havia algo muito errado naquele lugar! Já não éramos cegos, mas ainda éramos desesperados! Não podíamos perder a oportunidade de estar na única clínica do Brasil que faz o diagnóstico e tratamento de dislexia da leitura.
Terceiro dia
Logicamente, nosso guerreiro resistiu a mais um dia naquele lugar onde o tempo todo suas dificuldades eram ressaltadas
Ainda tínhamos um exame antes da avaliação neurovisual com a especialista. Assim, por precaução, pedimos para falar antecipadamente com a pessoa que faria o exame para evitar que ele fizesse perguntas na frente do pequeno, mas disseram que não era possível, então pedimos que o recado fosse transmitido a ela.
Enquanto aguardávamos na recepção lotada de pessoas, sentados ao lado do nosso pequeno, aconteceu algo surreal, aproximou-se de nós uma moça perguntando “Vocês é que pediram para não falar nada na frente da criança?” Despistamos, fizemos um sinal dizendo que não, mas ela insistiu “Foram vocês sim, pediram para não falar na frente da criança que ela tem dificuldade de leitura, eu queria dizer que eu não faço isto não! Eu não falo nada disso!” Não deu pra segurar e disparamos “Ah, não fala não! Então o que é que você está fazendo agora?” ela “Eu sou estou falando porque vocês foram lá falar” Nesta hora nos perdemos o controle, a vontade era de bater naquela mulher, mas olhamos para o pequeno e dizemos “Filho, esta moça é louca! Aqui está cheio de gente louca, desculpe-nos por trazermos você aqui”!
Meu Deus! Realmente éramos pais desesperados em busca de uma solução milagrosa! Psicóloga, médico, pedagoga, médica, o dono da clinica, a moça que faz um tal exame. Estava tudo errado naquele lugar! Mas desesperados não podíamos perder a oportunidade de estar na única clínica do Brasil que faz o diagnóstico e tratamento de dislexia da leitura
Chegada a etapa com a especialista, mas para nossa surpresa quem fazia a tal avaliação neurovisual era uma assistente. Ela entrou com o nosso pequeno numa sala, nós ficamos do lado de fora.
Cabe um aparte - não é segredo que crianças com dificuldades de leitura tem resistência a leitura, cansam-se facilmente, tem horror da leitura oral, principalmente na frente de desconhecidos. Pois é, mas a tal assistente, entrou com nosso pequeno numa sala para fazer os testes com as lentes milagrosas, por 2 horas nosso pequeno teve que ler textos com lentes de cores diferentes. Depois de um intervalo, ele pediu pelo amor de Deus para acabarmos com aquilo, mas os pais desesperados insistiram e ele ficou mais 1 hora fazendo testes.
Terminada esta etapa, veio a hora do show, a especialista, dona da clinica no levou para uma sala e fez uma apresentação sobre dislexia da leitura e Síndrome de Irlen. Naquele momento, confirmamos nossa suspeita, somente ela tinha acesso a todos os exames e a entrevista, na verdade, não havia uma equipe com psicólogo, pedagogo e médico para discutir juntos um caso, eles apenas seguiam um protocolo e não haviam sido preparados para isto. Após a propaganda dos filtros, a especialista falou sobre os resultados de nosso pequeno, disse que com o filtro ele lia cerca de 22% a mais de palavras em determinado tempo. Disse que eles esperavam resultados melhores, que ele deveria ter outro problema além da Síndrome de Irlem, citou vários distúrbios, inclusive a dislexia. Perguntamos se ele tinha dislexia e ela disse “Não sabemos, porque nós fazemos o diagnóstico de Síndrome de Irlen, diagnóstico de dislexia nos não fazemos!”. No final a especialista indicou para nosso pequeno uma lente cinza claro, quase branca, valor R$ 1.500,OO.
Em casa
Saímos de lá, conversamos bastante, analisamos a situação e decidimos não fazer as lentes. Chegamos a conclusão que nosso pequeno ficou horas e horas testando lentes porque não havia lente que resolvesse seu problema, por isto a lente quase branca.
Descobrimos da pior forma, expondo nosso pequeno, que tudo aquilo era uma ilusão, aquele lugar explorava pessoas desesperadas em busca de uma solução milagrosa para um problema complexo. Acordamos, precisávamos colocar a cabeça no lugar, deixar o desespero de lado e continuar a caminhada para ajudar nosso pequeno guerreiro. Hoje, sabemos que o problema do nosso pequeno é o déficit de atenção e dislexia, nos últimos meses ele avançou muito, mas nossa luta continua...
Sindrome de Irlen?
Após esta triste experiência conversamos com vários oftalmologistas respeitados daqui de BH, um deles professor titular na UFMG, eles foram categóricos ao afirmar que não há comprovação científica sobre a eficácia das tais lentes coloridas. Disseram que justamente porque não há comprovação científica a clínica promove curso somente para educadores e nunca para área médica porque sabem que serão criticados. Abominam a propaganda que a clínica faz nas escolas, inclusive um deles nos passou um artigo da The American Academy of Ophthalmology sobre a inconsistência dos estudos relacionados a Síndrome de Irlen. Segue o link:
http://www.eyecareamerica.org/eyecare/treatment/alternative-therapies/vision-therapies-learning-disabilities.cfm
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário